Há alguns dias, a crítica de games feminista Anita Sarkeesian lançou um vídeo novo em seu canal Feminist Frequency (https://www.youtube.com/channel/UC7Edgk9RxP7Fm7vjQ1d-cDA) falando sobre a falta de variedade de representação de corpos femininos em videogames, argumentando que os homens têm uma variedade imensa de representações físicas de acordo com suas personalidades e características, mas as mulheres continuam presas ao padrão social estabelecido pela sociedade patriarcal. Eu, de cima da minha montanha de privilégios masculinos, não poderia explicar melhor do que ela, então tá aqui um link pro vídeo (em inglês):
No entanto, o vídeo dela imediatamente me fez pensar nos jogos de luta, nos quais estou profundamente viciado atualmente. A princípio, pensei que a representação feminina nos jogos de luta havia melhorado um pouco desde os anos 90. Afinal de contas, jogos de luta costumavam ter apenas uma personagem feminina, cuja característica proeminente era ser mulher (o mesmo canal tem outro vídeo sobre o que chama de “Princípio Smurfette”, neste link: https://www.youtube.com/watch?v=opM3T2__lZA). Hoje os jogos têm muito mais mulheres em sua lista de personagens, certo? Até mesmo no Mortal Kombat as garotas usam mais roupa hoje, certo? Certo?
Nhééééé... mai o mêno né...
Como um experimento para aplicar a teoria do vídeo, escrevi em meu caderno todos os personagens dos jogos de luta que gosto atualmente: as versões mais atuais das franquias Street Fighter, Mortal Kombat e Killer Instinct (a partir daqui referidos como SF, MK e KI, respectivamente). O resultado não foi muito surpreendente. Sim, lá nos anos 90, cada um desses jogos tinha apenas uma representante feminina (Chun-Li em SF, Sonya Blade em MK e Orchid em KI, introduzindo algumas novas personagens em versões subsequentes, como as ninjas Kitana e Mileena em MK2 ou a agente Cammy em Super SF2), mas os jogos daquela época tinham elencos muito pequenos em comparação com os atuais. SF possuía oito personagens jogáveis, MK apenas sete. Agora, vejam só: SF5 possui 21 personagens até o momento, e 14 deles são homens. O novo KI possui quase a mesma proporção: 17 personagens homens para oito mulheres. Mortal Kombat XL é ainda mais grave: temos sete mulheres para 24 homens.
Triste, sim, mas ainda não chega ao ponto do vídeo de Sarkeesian. A quantidade de representantes femininas é muito menor, o que já é um problema, mas e quanto às representações em si? Será que apenas um tipo de corpo ou de representação feminina é o dominante? Vamos fazer uma comparação, começando pela franquia mais famosa e com maior base de jogadores, Street Fighter.
Birdie é um punk britânico que já passou da flor da idade e ostenta uma bela pança de chope, mas que reflete isso em seu estilo de luta centrado em agarrões e movimentos lentos, porém fortes.
Necalli teve seu design baseado na mitologia asteca, e seu especial o transforma num monstro de cabelos vermelhos brilhantes.
F.A.N.G. trabalha como assassino e segundo em comando da organização Shadaloo, os maiores vilões da série, e tem uma figura alta, magra e misteriosa.
Chun-Li é uma oficial da polícia chinesa. Ela é magra e esbelta.
Cammy faz parte das Forças Especiais do exército britânico, e é minha personagem favorita na série desde que me conheço por gente. Ela é magra e esbelta.
Laura é uma capoeirista brasileira capaz de criar raios elétricos com as mãos. Ela é magra e esbelta.
Reptile é o último sobrevivente da raça dos zaterranos, uma das muitas raças vindas de Outworld. Como seu nome explica, ele é um réptil.
Goro é um representante dos Shokan, outra raça vinda de Outworld, característica por possuir quatro braços.
Ferra e Torr fazem parte de uma raça simbiótica que também é quase extinta em Outworld. Torr é um camarada BEM grande, e Ferra o ajuda montada em suas costas.
Cassie Cage é filha de Johnny Cage e Sonya Blade, e sargenta nas Forças Especiais. Ela é magra e esbelta.
Jacqui Briggs é filha do major Jax, e também membro das Forças Especiais, além de ser possivelmente a única mulher negra em todos os jogos de luta. Ela também é, infelizmente, magra e esbelta.
D'Vorah é a segunda em comando em Outworld, e pertence à raça dos Kytinn, insetos humanóides. Ela é a personagem feminina mais diferente do elenco. No entanto, lembrando das aulas de biologia, é incrível como exoesqueletos quitinosos podem ter formado SALTOS ALTOS naturalmente. Ela também é, como de costume, magra e esbelta.
Sabrewulf é um aristocrata alemão que acidentalmente se transformou em um lobisomem.
Spinal era um pirata da antiga Babilônia que encontrou uma máscara poderosa que o permite viver para sempre, mesmo depois de ter ateado fogo no próprio corpo.
Hisako é a fantasma de uma filha de um Ronin, que voltou dos mortos para se vingar de seus algozes.
Riptor é uma dinossaura fêmea (isso mesmo, não tô brincando) criada em laboratório pela empresa Ultratech com uma mistura de DNA humano e réptil.
Kan-Ra é um vizir e feiticeiro da Babilônia que se mumificou e ressuscitou em tempos modernos.
Para ficar bem claro, ninguém (nem eu, nem Anita Sarkeesian) estamos dizendo que nenhum dos jogos mencionados são ruins. Como ela mesma diz no início de quase todos seus vídeos, "é possível, e até mesmo necessário, gostar de um tipo de mídia e simultaneamente ser crítico de seus aspectos mais problemáticos ou perniciosos". No entanto, ignorar o fato de que mulheres de variados tipos e formas de corpo não são representadas também nos games reforça preconceitos, não apenas no que diz respeito a desejos sexuais da audiência masculina predominante desta mídia, mas também no que diz respeito ao próprio reconhecimento destas mulheres como pessoas dignas de representação. Isso acaba se refletindo na comunidade, ao observarmos que num campeonato do tamanho da EVO Championship Series, eu só consigo me lembrar de uma competidora profissional (coincidência ou não, jogadora de Killer Instinct). Se quisermos que mais pessoas entendam e participem de nosso hobby (ou comunidade profissional) favorito, temos que abrir as portas e tê-las representadas em nossos games também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário