segunda-feira, 26 de junho de 2017

Outlast

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Originalmente publicado em 10 de outubro de 2013

YES! O terror voltou!

Deixe-me esclarecer: jogos de horror andaram em baixa nos últimos tempos. Ou melhor, todos os jogos de horror esqueceram do que significa ser um jogo de horror. Silent Hill, minha franquia favorita, se vê perdida tentando incorporar mais elementos de ação e tentando deixar o combate mais satisfatório. Resident Evil, que Deus o tenha, afundou de vez com o sexto capítulo, tentando ser quatro jogos diferentes e falhando em ser todos eles. Outras franquias desapareceram, como Fatal Frame, Siren e Haunting Ground. O único lugar onde poucos jogos de terror ainda estavam fazendo certo sucesso é no círculo independente, onde Slender tomou de assalto os virais do Youtube e transformou sustos em moda.

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Neste mês de setembro, felizmente, não tivemos apenas um, mas dois jogos de horror que entendem que horror não é apenas atirar em monstros medonhos. Vamos começar pelo que foi lançado primeiro. Outlast é o primeiro game do novo estúdio Red Barrels, que é formado por designers veteranos da EA, Ubisoft e Naughty Dog (desenvolvedora de The Last of Us e Uncharted), e se essa aqui foi a estreia, é melhor prestarmos atenção nesses caras no futuro.

Em Outlast, você é Miles Upshur, um jornalista que recebe um e-mail anônimo relatando abuso de pacientes no Mount Massive Asylum, um sanatório que no passado já tinha sido fechado depois de alguns assassinatos e que foi reaberto recentemente pela empresa Murkoff, que é conhecida por conduzir esquemas podres sob o pretexto de caridade. E claro, como qualquer protagonista de terror, Miles não tem o menor bom senso e resolve ir até o sanatório apenas com sua câmera de mão, durante uma noite de tempestade. Claro que chegando lá, os insanos estão tomando conta, 90% das portas estão trancadas e eles estão usando vísceras como decoração.

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Se Outlast fosse um filme, talvez ele fosse fraco, pois todos os clichês de horror estão presentes aqui. Mas, como um game, a Red Barrels teve algumas ideias que o elevam a um dos melhores jogos de horror já lançados. Primeiro: eles jogaram Half-Life e anotaram a lição ao pé da letra, ou seja, o jogo é inteiramente visto através dos olhos de Miles. O jogador tem controle total sobre as ações de Miles (a não ser quando seria inviável, com o personagem amarrado, por exemplo) e nunca sai da perspectiva em primeira pessoa. Por mais que eu adore Silent Hill 2 e sua atmosfera, devo admitir que a perspectiva de primeira pessoa é muito mais eficiente para assustar.

Segundo: Miles tem um modelo dentro do jogo. Ou seja, quando você olha pra baixo, você pode ver que tem pés, por exemplo. Quando Miles abre uma porta, ela não é aberta pelo vácuo, como em qualquer outro jogo em primeira pessoa. Ele estende o braço até a maçaneta e abre a porta. Ele estende o braço para pegar itens. Quando encosta numa parede, as mãos de Miles a tateiam, e quando ele sai correndo de um lunático com tesouras gigantes, você vê os braços e ouve a respiração ofegante. Pense num Mirror’s Edge, só que de terror. Pode parecer pouca coisa, mas é um detalhe que dá um maior senso de vulnerabilidade ao personagem.

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Terceiro: a câmera. O único objeto que Miles possui durante todo o jogo é uma câmera de mão, e a única maneira de se enxergar na escuridão do lugar é através do modo de Night Vision da câmera. Essa ideia é tirada diretamente do excelente filme espanhol REC, e é incrível como ela funciona bem para um game, tanto que é inexplicável como ninguém tinha pensado nisso antes. Uma das táticas mais fortes do jogo é te fazer passar por lugares sem nenhuma luz, obrigando-o a usar a visão noturna enquanto um grandalhão que quer arrancar a sua cabeça patrulha a área. A visão noturna só te permite enxergar alguns palmos à frente e os olhos verdes e brilhantes dos inimigos.

Quarto: Miles não tem nenhum método de defesa. Você não vai ter nenhuma arma durante o jogo, não pode nem empurrar os caras pra longe. A única opção que você tem é correr ou se esconder, e essas são as principais atividades da jogabilidade. Se um inimigo ainda não te viu, Outlast funciona como um game de “stealth”, e você precisa navegar os locais sem ser visto pelos loucos, e aproveitando-se do fato de que, com a visão noturna da câmera, você enxerga, e seus inimigos não. Se você for visto, sua única chance é correr, colocando portas, salas e preferencialmente continentes inteiros entre você e o mutante em questão. Outra ideia brilhante da Red Barrels é que, enquanto você corre, os botões que normalmente são usados para se inclinar (Q e E) fazem Miles olhar para trás por cima dos ombros enquanto corre, fazendo você se sentir como naqueles filmes de psicopata, correndo de um maníaco.

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Com isso podemos entrar nos negativos: depois que você entende como funcionam as mecânicas do jogo, a tensão é levemente diminuída. Os inimigos te perseguem por algumas salas, e para despistá-los, basta quebrar a linha de visão e se esconder em algum lugar, que pode ser algum armário ou debaixo de alguma cama. Há a chance do inimigo procurar nesses lugares, principalmente se a visão noturna da sua câmera estiver ligada, mas no geral eles vão virar as costas e retornar à rota de patrulha convencional. Outra coisa: se eles te pegam, não é morte instantânea. De fato, Miles geralmente pode levar umas três ou quatro porradas antes de morrer, dependendo do inimigo. E nosso jornalista também parece ter sido um atleta quando jovem, pois ele corre mais rápido que qualquer um dos loucos do asilo, então é até difícil ser mesmo pego.

Dito isso, o jogo faz um bom trabalho mudando as situações para que a tensão não seja diminuída através de repetição. No começo o jogo usa bastante os sustos baratos, daqueles de aumentar o volume e jogar algo na sua cara, mas no geral evita a dependência deles, e utiliza-se mais da atmosfera sombria. Eventualmente, você começa a ver habitantes do asilo que não são imediatamente hostis, e esses dão mais arrepios do que qualquer coisa que joguem na tua cara, olhando para você através de barras e calmamente dizendo como vão te matar bem lentamente. Uma parte nos esgotos, uma parte num descampado aberto dentro do terreno do asilo (no escuro total, debaixo de uma tempestade, e com loucos) e uma parte onde você perde a câmera são os maiores destaques.

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A pior parte é a história. Ela é apresentada através de folhetos pegos em todo lugar e através das notas que Miles escreve enquanto filma as cenas terríveis que você verá durante o jogo. É um método que deixa a história meio confusa, mas que poderia funcionar, se a última seção do jogo não tivesse uma mudança de tom extrema e não estragasse tudo com explicações estúpidas e um “chefe final” totalmente desnecessário. Basta dizer que o jogo poderia ter acabado uma meia hora antes, que seria bem melhor.

Mesmo assim, não posso deixar de recomendar Outlast. É um game de horror que entende que a vulnerabilidade é o que traz terror verdadeiro, e não apenas dar tiro em zumbis. Mesmo que coberto em clichês, utiliza-se deles de maneira sublime, e espero ver a ideia da câmera usada em mais jogos daqui pra frente.

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