Eu nasci em 1989, ano este que, para a história dos videogames, foi um período de transição entre a terceira e a quarta gerações de consoles. O Sega Genesis estava fazendo sua estreia nos EUA, e vindo pra cá pela sua alcunha japonesa, o Mega Drive. Ainda assim, o dominante NES (Nintendo Entertainment System) ainda não havia morrido, e jogos como Mega Man 2 e Dragon Quest ainda eram lançados por aqui. É mais ou menos comparável a como 2014 foi, um ano em que o Playstation 4 e o Xbox One começavam a ter títulos, mas tínhamos versões “last-gen” deles.
O Mega Man original era assim. Note como a pedra na mão do chefão não tá renderizada direito
Jogar um jogo de NES de verdade hoje é uma experiência estranha. Jogos como Super Mario Bros, The Legend of Zelda e o Metroid original têm raízes de design que podem ser reconhecidas até hoje em jogos modernos, como, para citar um exemplo, como o mundo de Dark Souls é um labirinto que vai se abrindo e dando voltas em si mesmo conforme você adquire novas habilidades, influência direta de Metroid. No entanto, o NES era bem limitado em sua capacidade gráfica e de conteúdo. Para termos uma ideia, o NES tinha um processador que funcionava a velozes 1.49 MHZ, tinha uma incrível memória de 2 KB, era capaz de mostrar uma paleta de 54 cores, e o maior jogo já feito pra ele (Dragon Quest) tem 1 MB. Só um. Além do controle do NES só ter um direcional e quatro botões, o que limitava bastante o controle do jogador. Então, jogar um game do NES hoje em dia é mais um teste de paciência, que não envelheceu tão bem quanto gostaríamos.
A não ser que você seja criança naquela época, claro. Muita gente tem lindas memórias de quando a vida era mais simples e quando eles jogavam Zelda, Super Mario ou Final Fantasy o dia inteiro, sem preocupações. Essas pessoas não lembram que o jogo ia desenhando os quadrados do lado direito da tela conforme você ia andando, não lembram das falhas de desenho que aconteciam quando a imagem ficava complexa demais para o videogame aguentar, e nem de quão lento era, muito menos de como era horrível jogar Metroid sem poder mirar na diagonal. É para essas pessoas que um joguinho independente chamado Shovel Knight foi criado.
Shovel Knight é um jogo desenvolvido pela Yacht Club Games, desenvolvedora independente que teve a brilhante ideia de vender nostalgia. Nostalgia, como todos sabemos, é algo muito rentável, tanto que *momento controvérsia* a Nintendo continua vivendo apenas de dinheiro de nostalgia. A ideia aqui é que Shovel Knight é basicamente uma colagem de coisas retiradas de muitos jogos da era do NES. Ele tem o mapa visto de cima do Super Mario Bros. 3. Você pode visitar algumas cidades onde pode comprar upgrades pra sua vida, magia e armadura, como em Zelda II: The Adventure of Link. O personagem principal, o Shovel Knight, usa uma pá como arma (sim, ele não é o Shovel Knight à toa!) e com essa pá você consegue pular em cima dos inimigos e alcançar lugares mais altos, igualzinho à bengala do tio Patinhas em DuckTales. E a influência mais óbvia: o jogo tem oito fases de início, cada qual com seu chefão característico, e no final do jogo você enfrenta os oito em uma sequência só antes de enfrentar o chefe final, como em Mega Man.
E que trilha sonora, meus amigos. Apenas escutem:
O ponto onde quero tocar com este post é que Shovel Knight, apesar de fazer tudo que pode para parecer um jogo de NES, tem um design muito esperto. Veja bem: Shovel Knight só tem em sua paleta de cores as 54 cores que o NES podia exibir... exceto em algumas ocasiões onde essa regra é levemente quebrada e eles adicionam umas quatro cores a mais pra ficar melhor. Shovel Knight usa exatamente o mesmo sistema de som do NES... só que só é exatamente igual se for o NES japonês e se fosse um dos poucos jogos do final da geração que tinham três canais de som a mais. Ele usa pixel art como os jogos do NES, mas é capaz de resoluções widescreen e está renderizando a 1080p, coisa que o NES jamais seria capaz. Shovel Knight também ocupa aproximadamente 150 MB em espaço, então ele é 150 vezes maior que o maior jogo já produzido pro NES. O NES não teria espaço para os diálogos com os chefões antes da luta, que dá personalidade a cada um deles e ao Shovel Knight.
O azul profundo do fundo deste cenário não era possível no NES...
E nem o vermelho profundo deste cenário.
Ainda por cima tem senso de humor! Steel thy shovel!
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