segunda-feira, 26 de junho de 2017

Shovel Knight: Vendendo nostalgia

Originalmente publicado em 19 de janeiro de 2016

Eu nasci em 1989, ano este que, para a história dos videogames, foi um período de transição entre a terceira e a quarta gerações de consoles. O Sega Genesis estava fazendo sua estreia nos EUA, e vindo pra cá pela sua alcunha japonesa, o Mega Drive. Ainda assim, o dominante NES (Nintendo Entertainment System) ainda não havia morrido, e jogos como Mega Man 2 e Dragon Quest ainda eram lançados por aqui. É mais ou menos comparável a como 2014 foi, um ano em que o Playstation 4 e o Xbox One começavam a ter títulos, mas tínhamos versões “last-gen” deles.

O Mega Man original era assim. Note como a pedra na mão do chefão não tá renderizada direito 
O Mega Man original era assim. Note como a pedra na mão do chefão não tá renderizada direito

Então, como consequência, meu período de nostalgia nessa história não é com o NES. Quando fui ter meu primeiro contato com os videogames, o Super Nintendo já era popular e forte, e dominou boa parte dos meus anos formativos. Super Mario World e um joguinho de luta que veio com o console chamado Art of Fighting me introduziram a esse mundo; logo estava descobrindo outros jogos de plataforma como Donkey Kong Country, os jogos da Disney, e também os jogos de luta que hoje fazem parte dos meus favoritos, como Street Fighter II, Mortal Kombat e Killer Instinct.

Jogar um jogo de NES de verdade hoje é uma experiência estranha. Jogos como Super Mario Bros, The Legend of Zelda e o Metroid original têm raízes de design que podem ser reconhecidas até hoje em jogos modernos, como, para citar um exemplo, como o mundo de Dark Souls é um labirinto que vai se abrindo e dando voltas em si mesmo conforme você adquire novas habilidades, influência direta de Metroid. No entanto, o NES era bem limitado em sua capacidade gráfica e de conteúdo. Para termos uma ideia, o NES tinha um processador que funcionava a velozes 1.49 MHZ, tinha uma incrível memória de 2 KB, era capaz de mostrar uma paleta de 54 cores, e o maior jogo já feito pra ele (Dragon Quest) tem 1 MB. Só um. Além do controle do NES só ter um direcional e quatro botões, o que limitava bastante o controle do jogador. Então, jogar um game do NES hoje em dia é mais um teste de paciência, que não envelheceu tão bem quanto gostaríamos.

shovel4

A não ser que você seja criança naquela época, claro. Muita gente tem lindas memórias de quando a vida era mais simples e quando eles jogavam Zelda, Super Mario ou Final Fantasy o dia inteiro, sem preocupações. Essas pessoas não lembram que o jogo ia desenhando os quadrados do lado direito da tela conforme você ia andando, não lembram das falhas de desenho que aconteciam quando a imagem ficava complexa demais para o videogame aguentar, e nem de quão lento era, muito menos de como era horrível jogar Metroid sem poder mirar na diagonal. É para essas pessoas que um joguinho independente chamado Shovel Knight foi criado.

Shovel Knight é um jogo desenvolvido pela Yacht Club Games, desenvolvedora independente que teve a brilhante ideia de vender nostalgia. Nostalgia, como todos sabemos, é algo muito rentável, tanto que *momento controvérsia* a Nintendo continua vivendo apenas de dinheiro de nostalgia. A ideia aqui é que Shovel Knight é basicamente uma colagem de coisas retiradas de muitos jogos da era do NES. Ele tem o mapa visto de cima do Super Mario Bros. 3. Você pode visitar algumas cidades onde pode comprar upgrades pra sua vida, magia e armadura, como em Zelda II: The Adventure of Link. O personagem principal, o Shovel Knight, usa uma pá como arma (sim, ele não é o Shovel Knight à toa!) e com essa pá você consegue pular em cima dos inimigos e alcançar lugares mais altos, igualzinho à bengala do tio Patinhas em DuckTales. E a influência mais óbvia: o jogo tem oito fases de início, cada qual com seu chefão característico, e no final do jogo você enfrenta os oito em uma sequência só antes de enfrentar o chefe final, como em Mega Man.

E que trilha sonora, meus amigos. Apenas escutem:



O ponto onde quero tocar com este post é que Shovel Knight, apesar de fazer tudo que pode para parecer um jogo de NES, tem um design muito esperto. Veja bem: Shovel Knight só tem em sua paleta de cores as 54 cores que o NES podia exibir... exceto em algumas ocasiões onde essa regra é levemente quebrada e eles adicionam umas quatro cores a mais pra ficar melhor. Shovel Knight usa exatamente o mesmo sistema de som do NES... só que só é exatamente igual se for o NES japonês e se fosse um dos poucos jogos do final da geração que tinham três canais de som a mais. Ele usa pixel art como os jogos do NES, mas é capaz de resoluções widescreen e está renderizando a 1080p, coisa que o NES jamais seria capaz. Shovel Knight também ocupa aproximadamente 150 MB em espaço, então ele é 150 vezes maior que o maior jogo já produzido pro NES. O NES não teria espaço para os diálogos com os chefões antes da luta, que dá personalidade a cada um deles e ao Shovel Knight.

O azul profundo do fundo deste cenário não era possível no NES... 
O azul profundo do fundo deste cenário não era possível no NES...

E nem o vermelho profundo deste cenário. 
E nem o vermelho profundo deste cenário.

Esse que é o negócio brilhante. Shovel Knight é um jogo moderno, estilizado da maneira que as pessoas lembram que a época do NES era, não exatamente como era. Algumas liberdades são tomadas com convenções da época do NES que não seria tão bem-vindas hoje, como por exemplo com o sistema de vidas. Naquela época, os fliperamas ainda eram as máquinas dominantes, e elas tinham vidas limitadas para que você gastasse mais moedas na máquina. Shovel Knight substitui isso por um sistema onde você perde dinheiro quando morre, mas pode recuperá-lo se conseguir pegar os sacos de ouro onde você morreu. Que outro jogo faz isso? O tão adorado e moderno Dark Souls.

Ainda por cima tem senso de humor! Steel thy shovel! 
Ainda por cima tem senso de humor! Steel thy shovel!

Por isso que, apesar de eu não ter nostalgia pelo NES, terminei Shovel Knight três vezes e recomendo a todos, tanto aos que querem lembrar dos velhos tempos quanto aos que querem saber como eram os velhos tempos. Mesmo que não fosse exatamente assim.

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