segunda-feira, 26 de junho de 2017

Sobre Star Wars e a "Mary Sue"

Originalmente publicado em 5 de janeiro de 2016

O texto a seguir contém spoilers em potencial do filme Star Wars: The Force Awakens. Nada do que falarei é especialmente surpreendente, mas se você é uma daquelas pessoas que considera até o rosto do Kylo Ren sem máscara como um spoiler, já coloco o aviso agora. Mantenha em mente antes de continuar.

Hey there, fellas!

Hoje eu vou me desviar um pouquinho do assunto dos videogames (e possivelmente cutucar um vespeiro, mas vale o risco). Não se preocupem, pois ainda vai continuar dentro do reino das nerdices agudas. Mas é um assunto sério. *pigarreia pro assunto sério*

Desde a estreia do novo filme da série Star Wars, um dos assuntos que andou correndo a Internet (mais pro lado da gringolândia, mas o Omelete fez algum comentário a respeito e vi por alguns outros cantos do Facebook também) era a possibilidade da personagem Rey ser uma “Mary Sue”. O post de hoje vai ser para falar sobre isso, e para tal, precisamos estudar o que significa o termo “Mary Sue” e onde essa “controvérsia” realmente quer chegar.

Rey



O termo “Mary Sue”, de acordo com o site TV Tropes, não é algo claramente definido, mas de maneira geral é utilizado para descrever um tipo de personagem comum em fan fiction, aquelas histórias que fãs fazem dentro dos universos que amam. O termo surgiu em uma fanfic baseada na série original de Star Trek, chamada “A Trekkie’s Tale” e escrita em 1974. A “Mary Sue” em questão é uma tenente da Frota Estelar que tem um passado misterioso e romantizado, possui uma ampla variedade de habilidades, imediatamente conquista o coração do capitão Kirk e é admirada por Spock por sua lógica infalível, tem a chance de comandar a ponte da Enterprise e morre de uma maneira trágica e dramática, como se fosse boa demais para este mundo (ou para esta galáxia, no caso). Para encurtar, ela é perfeita, e assim é porque é basicamente o próprio autor se inserindo dentro de sua história, a pessoa se escrevendo como ela gostaria de ser no mundo de seus sonhos.

Agora, algumas pessoas estão argumentando na Internet que a Rey, nova protagonista do Episódio VII de uma das maiores franquias cinematográficas do mundo, é também uma “Mary Sue”, uma personagem que não tem defeito algum, e isso seria um problema. E, certamente, é possível ver como alguém pode ter essa opinião: Rey consegue bater em três caras ao mesmo tempo, constantemente deixa claro a Finn que não precisa de sua ajuda antes de se aproximar mais dele, consegue pilotar a Millennium Falcon, entende tanto de mecânica quanto o Han Solo, e ainda por cima tem os poderes da Força e derrota o vilão num épico duelo de sabres de luz. Então, é, ela é bem foda, e nem precisa encolher a barriga.

Star-Wars-7-Character-Guide-Finn-Rey

Mas vamos voltar um pouco aos games para que não me acusem de fugir completamente de meu propósito, e para um jogo que completei pela primeira vez outro dia mesmo. Na semana do Natal, terminei o primeiro jogo da série Metal Gear Solid, e conheci pra valer o personagem Solid Snake.
Solid Snake, além de poder ser um apelido carinhoso de alguém para seu próprio pênis, é também um soldado das Forças Especiais dos EUA, que é tão foda, mas tão foda, que resolve ir morar no frio do Alaska depois de se aposentar. E ele é tão foda que, mesmo depois de aposentado, o governo o procura para se infiltrar em uma base terrorista, desarmado, e desativar uma arma nuclear devastadora. Em Metal Gear Solid, nós temos exatamente quatro personagens femininas: a doutora Naomi Hunter, que providencia inteligência e suporte na missão; Mei Ling, para quem você liga quando precisa salvar o jogo; Sniper Wolf, uma das “chefonas” e atiradora de elite profissional; e a Meryl Silverburgh, sobrinha do coronel responsável pela missão e que também está infiltrada na base terrorista. Todas elas querem o corpo do Snake nu. Não acredita? Eu tenho screens:

Mei Ling passa uns belos cinco minutos flertando com o Snake na primeira aparição Mei Ling passa uns belos cinco minutos flertando com o Snake na primeira aparição

Naomi Hunter e sua "strip search" Naomi Hunter e sua "strip search"

Nesta cena, Sniper Wolf está dizendo que "você é minha presa especial" e com a blusa aberta Nesta cena, Sniper Wolf está dizendo que "você é minha presa especial" e com a blusa aberta

E a Meryl. Bom, é autoexplicativo, né.
E a Meryl. Bom, é autoexplicativo, né.

Então, yeah, Solid Snake não me parece ter defeitos. Ele é foda. Mulheres querem estar com ele, homens querem ser como ele. Como ele também deve servir de avatar para um jogador presumidamente homem de 18 a 35 anos, é assim que ele realmente precisa ser para que o jogador também se sinta foda. Já tá dando pra entender onde eu quero chegar?

Não estaríamos tendo esta conversa se Rey fosse homem.

Agora, veja bem, não estou dizendo que Rey não é uma “Mary Sue”. Ela realmente tem todas essas qualidades e pouquíssimas coisas que poderíamos chamar de defeitos ou falhas de caráter, e isso passa um pouco uma impressão de que ela é uma personagem escrita por homens que estavam com medo de serem acusados de qualquer tipo de machismo e causar alguma controvérsia. O que estou argumentando é que isso na verdade não é um problema, que é legal que as mulheres finalmente tenham personagens que são equiparáveis a personagens icônicos masculinos, e que ninguém estaria chamando atenção para este fato se tivéssemos ido ao cinema para acompanhar a história de Ray, o corajoso guerreiro de Jakku que pilota a Millennium Falcon, é mecânico, faz proezas de combate, derrota o vilão e salva a galáxia. O próprio termo “Mary Sue” é usado exclusivamente para identificar personagens femininas, e apesar de dizerem que existe um equivalente masculino (o Gary Sue) eu nunca vi alguém ter problema com isso até hoje. O que quero dizer é que não podemos fazer dois pesos e duas medidas aqui.

Este é um desenho que encontrei na Internet que troca os sexos de todos os personagens de Star Wars. Ele pode ajudar as pessoas a enxergar melhor esta questão. Este é um desenho que encontrei na Internet que troca os sexos de todos os personagens de Star Wars. Ele pode ajudar as pessoas a enxergar melhor esta questão.

Quer um exemplo dentro da própria franquia? Voltemos para 1999 e falemos sobre o Episódio I, mais especificamente sobre Anakin Skywalker. (Sim, eu sei que o Episódio I é ruim em quase tudo, mas cala a boca que eu tô tentando provar algo aqui) Ele aparece no Episódio I como um menininho de 9 anos, que já é um exímio piloto e engenheiro, que montou o C-3PO sozinho. Ele também não tem pai, simplesmente “nasceu da Força” e ele consegue ver as coisas antes que elas aconteçam. Qui-Gon Jinn imediatamente identifica o garoto como sendo o Jedi da profecia que irá trazer o balanço para a Força. Oloco, galera, o moleque é zika!

Yeap, esse molequinho é o Darth Vader. Já falei que odeio o Episódio I? Yeap, esse molequinho é o Darth Vader. Já falei que odeio o Episódio I?

E isso também não tem problema. Star Wars nunca foi um filme extremamente brilhante. São filmes divertidos, e para tal, a Rey pode ser perfeita. Além do mais, é muito cedo para dizer, já que o Anakin só foi ter sua queda pro lado negro mostrada no segundo filme, e Luke só foi ter maior desenvolvimento no segundo filme da trilogia original. Talvez ainda vejamos Rey ser melhor desenvolvida e se tornar menos perfeita e mais humana. Mas, por agora, só vejo motivos para comemorar, considerando que uma franquia do renome e da importância de Star Wars tem uma protagonista feminina tão forte quanto seus predecessores homens. Representatividade é importante, e beneficia a todos nós.

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